A Bomba
A bomba está para explodir.
Aguarda instalada o acionamento do detonador.
Se o PCC ou a Al-Qaeda que assumirão a autoria do atentado, não sei. Mas sonhei
com a poeira que via subindo no céu brumoso da cidade, comprimindo os gases adoecidos
da atmosfera depois de estilhaçar vitrines, corpos e a ponte.
Quando cheguei, já era tarde demais. Um gigantesco cordão de isolamento estava
sendo esticado pela imensa área afetada. Uma mancha de cor senil empesteava os
arredores, e também um cheiro belicoso entranhava-se pelos ares. Enorme cratera havia
sido feita com a explosão, e seu estrondo ecoado na lonjura de zonas distantes dali.
Inúmeros curiosos, os mais arrojados já prontos a uma solidariedade, vinham se perfilando
na vizinhança da grande ponte esquartejada para dali ver as pesadas vigas de aço retorcidas
pelo impacto, e mais abaixo no buraco do vão, alguns automóveis e ônibus que
despencaram abruptamente quando o asfalto fendeu ao meio, e agora formavam uma feia
montanha de latas e homens, parecendo assim um desmanche torpe.
O movimento seguiu como é praxe: primeiro os jornalistas para o furo de
reportagem, depois os bombeiros e policiais, e mais tarde as equipes de salvamento que
desembarcavam seus exércitos de plantonistas enfermeiras vestidas naquele branco
imaculado que logo gera um acentuado contraste quando começa a ter sua alvura tingida
pelo sangue dos feridos. Um alarido foi seqüencialmente crescendo, inicialmente com as
lástimas dos passantes, somado logo em seguida então pelos comentários ruidosos dos
repórteres da imprensa especializada, e não demorou mais muito o ronco de sirenes e o
estrépito dos helicópteros etc.
Sim, era uma visão atordoante. Químicos entendem melhor! Quanto a transmissão
impetuosa dos elementos sob pressão através dos átomos corrompem a matéria,
despedaçando o concreto armado e deslocando as grandes estruturas metálicas que davam
sustentação às cargas bem pesadas que trafegavam por ali diariamente. E aquela armação
toda, compressa pela potência do estouro, voou alvejando sem mira tudo o que ia
encontrando à sua frente. Os fotógrafos, eles sabem como imortalizar determinados
acontecimentos, e com seus instrumentos captam as cenas para instantaneamente cravá-las
no outro olho dali ausente: uma ode ao horror.
Estático, patético, poético, fiquei ali plantado àquele solo desconfigurado, revolvido
pelo abalo, pasmo e em estado de choque, como tudo por perto. Com o passar das horas
tudo foi ficando cada vez mais caótico e triste. Então voltei para a solidão do apartamento,
e de dentro do meu sonho outra vez, iniciei uma busca para me impedir de viver aquela
situação real. Saí pela cidade voando frenético, caçando pelo lixo algum artefato suspeito,
tentando agendar encontros com autoridades na tentativa de alertá-los, espalhando faixas e
cartazes e panfletos procurando inutilmente fazê-los parar para ouvir minha profecia. Mas
em vão! Nenhuma chance. Todos apressadamente dirigiam-se em velocidade para algum
outro lugar. Qual? Para onde estão indo?, ainda perguntei.
E daí... foi que escabroso como o esturro de alguma fera mecânica, rugindo como
mil diabos soltos, vi erguer-se não muito longe, uma bola incendiária volumosa que subia
violenta e grave, carbônica, destruindo e matando, e que dilatou meus tímpanos enquanto
desacordei.
Mas... estou sonhando ou acordado?
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