Bossa & Tal

pop sempre fui. até o tutano dos ossos.
não no sentido limitador e excludente tal qual lhe rotulam os clássicos ou eruditos, em oposição. mas no que pode-se aplicar de mais virtuoso e intrínseco a suas qualidades.
muito se polemiza(rá) sempre acerca dessa discussão, e ela é útil no aprofundamento de diversas questões mais importantes que suscita, mas fútil e supérflua em seu caráter vulgar. a atitude preconceituosa de parcela dos críticos da arte, esnobando o popismo em contraposição aos preceitos do relativo bom gosto de suas opções estéticas, só reafirma a presunção de uma classe pretensiosa, desejosa de posicionar-se continuamente como liderança intelectual hegemônica, sobrepujando outras possibilidades criativas.
ao longo da história vimos quebrando barreiras, diminuindo o fosso entre as convenções que insistem em distanciar conceitualmente os diferentes modelos existentes e possíveis. não é uma questão assim tão simples, ao mesmo tempo sendo.

de modo que, tendo minha música um caráter tão popista, ao decidir apresentar o meu primeiro disco sob o signo dos símbolos ligados naturalmente aos fundamentos da música popular brasileira, aspecto que realço entre as 10 faixas constantes do cedê, ouso dizer que a postura adotada desde o princípio de minha entrada para o time da música ao fazer 21 anos, permaneceu firme e lúcida, sempre tendendo para uma simplificação do simples, sem deixar a conotação pejorativa soar, seja na qualidade ou em quaisquer outros detalhes desse percurso ativo, mesmo quinze anos depois, o que evidencia a coerência dos projetos.
pela certa cobrança e necessário processo visando a estruturação de um repertório coeso, amarrado em seus pontos justamente por traços que incidem sobre o todo, é que nasceu dentro do meu caminho como compositor e cantor uma espontânea proximidade entre o rock e a bossa, fruto da década como vocalista dos Quatro (1991/2001), as experiências multiplicadas durante os shows com a orquestra Nó Cego ou a fase atual, marcada por novas incursões, cada vez mais amplas e abrangentes, todas referendadas pela intensidade, a alma de poeta - para transmitir o que se quer fazer entender - , todos elementos indispensáveis ao realce do que apesar de estruturado num modo mais autônomo e independente também se transmite através de aparatos técnicos sem máxima sofisticação, mas que em conjunto com outras manifestações, e bem por isso, relevantemente aproxima suas particularidades dentro de um mesmo círculo sonoro ...
... dentro dessa coisa que é a bossa e sua festa, seu glamour, sua sensualidade, a bossa da bossa, suas figuras, seus mestres, seus artifícios, sua malícia, seu jogo e compasso, maresia boçal, barquinho, rio, vinícius imorais, vícios, praia, pó e areia, garotas de copa, enfim tudo que foi parte da instituição que se liquidifica ali, nesse ramalhete da chamada mpb.
então o meu disco é um reflexo (ou um contra-reflexo) daquela época, outros momentos históricos os quais a bossa nova embalou, refugiada sob a chibata dos ditadores, implicada numa contenção de risco que é esse banquinho, um violão e uma batidinha, uma abertura cíclica dentro do movimento musical do país, caipirinha – que ninguém é de ferro, feijoada com rabo de porca, cachaça, mel, mulher, sol... tudo isso mesmo: moro no brasil tropical, morro e mar, índios, belezas naturais, golpes federais, blagues internacionais.

Bossta Nova (Elephante Registros/2006) é portanto uma provocação saudável a bossa, que no decorrer dos seus 50 anos se materializou como um símbolo da identidade brasileira, povoando suas influências dentro de nossa linguagem musical peculiar, e noutras, revolvendo-se a tear na cultura nacional um quê.
esteve presente como afluente da tropicália, e veio sempre com seus casos e seus dramas participando da evolução do cenário artístico da brasilidade, com expressividade. nesse sentido encontro caminho através de suas sedutoras tentações e flertes com o jéz para instilar um contraponto no seu bom mocismo, carlinhos lyra, os biquínes de ipanema, apartamentos classe média, pianos na sala... e por outro lado também a ingenuidade dos seus excessos, suas desgraças, seus tropeços, rivalidades, intrigas... tudo isso confiscado para um terreno que utilizo para a contextualização da existência do meu disco, desafinado, de uma nota só, renunciando ao seu rótulo, numa outra época, com o país noutra inserção, diferente daquele que encontrou na bossa nova a afirmação para declarar-nos para o resto do mundo.

e assim já é.

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