Eu e o meu Cachê. Quanto vale o que?


           Afora todas as atribulações sofridas pela cidade nesse fim de ano tumultuado, veio à tona, com a realização de algumas atividades envolvendo a música local, ótimas questões que podem nos servir utilmente para uma reflexão sobre nossa cena e seus meandros, dilemas e curiosidades. Sem a intenção de mexer nos melindres de ninguém, quero apenas externar meu ponto de vista.

           Foi muito sintomático o que escreveu o maestro Franklin Nogvaes acerca de sua participação no festival do qual foi vencedor no ano passado, e para o qual teve que ensaiar e apresentar um show na final de 2012, ao módico valor de 1500 réis. Bom conhecedor dos percalços de sua profissão, considerado um dos mais completos naquilo que sabe bem fazer, em atuação continuada há décadas na área, o desabafo que fez em sua rede social serviu para nos fazer pensar mais uma vez acerca da sempre e rebatida conduta da cidade em relação aos seus artistas. O que justifica o valor de um cachê tão diferenciado para baixo, em relação ao que é pago a quem vem de fora? Qual o sentido dessa desvalorização tamanha àquilo que produzimos aqui? Onde reside a causa para o desprezo, senão desrespeito, ao trabalho dos que se dedicaram a compor e cantar, arranjar e divulgar a música potiguar? De onde vem este preconceito e como poderemos extirpa-lo? Por qual razão os produtores não concedem um camarim para o artista natalense? E quando isso acontece, qual o motivo para a discriminação, a nítida diferença no tratamento e nas condições de alojamento, tão necessárias ao bom desempenho da pessoa no palco? Às vezes o público pode até nem saber, mas uma apresentação musical não se faz com um passe de mágica e requer uma preparação planejada, com toda uma logística, que a depender do tamanho do evento exige uma acomodação digna para dar condições de bom preparo à equipe envolvida, incluindo músicos acompanhantes, técnicos, convidados etc. Ficam a flanar no ar mais uma vez esta série de perguntas, sempre com a intenção de provocar em todos os envolvidos uma melhor compreensão deste quadro tosco.

           Interessante também notar sobre este festival (MPBeco), a virada cultural e os shows que compõem a programação da árvore natalina, em Mirassol, uma maior presença de artigos na imprensa e redes sociais, fossem assinados por jornalistas ou demais atores envolvidos, abrindo discussões acaloradas, contribuindo para levantar temas pertinentes e permitir um bom debate a respeito dos mesmos. O jornalista Sérgio Vilar já vem há um considerável tempo escrevendo sobre a área cultural, com um blog que versa a maioria das vezes sobre esta seara trepidante, ao que somou-se mais recentemente o também jornalista e músico Moisés de Lima, que abriu um espaço onde passou a publicar conteúdos mais notadamente voltados para a música.

           Estes dois pólos foram fontes de postagens com resenhas, comentários e críticas sobre estas 3 atividades acima mencionadas, dando margem para um melhor acompanhamento e posterior interpretação de fatos alusivos ou decorrentes destes importantes eventos, que juntos marcam o fecho deste ano que agora acaba. A análise que estes dois espaços vêm concedendo aos ares artísticos e musicais da capital tem possibilitado um olhar atento mais permanente sobre as atividades que se enquadram dentro do interesse daqueles que labutam nesses setores. Essa disposição em informar, opinar e criticar são de um significado incomparável, pois move a duna pantanosa a que nos arraigamos, deslocando-nos, alavancando a esteira vagarosa por onde estão a correr já há muito tempo estes temas tão velhos. As observações feitas, às vezes discretamente, seja sobre a pouca alternância de nomes selecionados para as eliminatórias do MPBeco, seja sobre a ‘curadoria de si mesmo’ da Virada ou a discussão envolvendo a recente adoção da programação da Árvore de Mirassol por uma associação de músicos dispostos a negociar seus cachês em troca da tal da visibilidade, nos obriga a passar por uma inevitável discussão que termina nos levando a amadurecer com mais propriedade as dificuldades inerentes aos que fizeram da música o seu ofício.

           Certo é que o músico, aquele que deu à sua vida esse destino profissional, deve ter em mente que diversos aspectos ligados a esta atividade estão sendo radicalmente transformados, e que ele precisa estar cada vez mais antenado com modelos diferenciados de como conduzir sua trajetória, atento à construção de novos caminhos, que estão sendo abertos exatamente agora, nesse processo de reestruturação da chamada cadeia produtiva da música. Então, a hora merece especial atenção, pois dependerá de nós, em parte, redefinirmos o horizonte a ser trilhado pela música brasileira nos próximos anos e décadas.

           Questões como distribuição e circulação são as mais chamativas em eventos do ramo, mas outras tais quais direitos autorais e entidades representativas do setor estão também sendo pautadas gradativamente, a cada novo ano. Novidades como o cooperativismo musical estão saindo do papel, buscando por novas maneiras de garantir alternativas de sustentabilidade, dando mais autonomia ao artista criativo e independência nas suas ações e projetos. Vale a pena examinarmos com cuidado cada passo nessa direção, sob pena de não conseguirmos modificar essa realidade histórica a que vimos submetidos.

           Com esse propósito, não seria nada mal se para este ano que se abre a gente conseguisse em Natal desenvolver um calendário de discussões a respeito de assuntos relativos, o que possivelmente possa trazer mais luz e melhor entendimento no que se refere a esse temário.