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ALMA (de) POETA. Elephante Registros, 2009
O músico Esso Alencar é um dos responsáveis pela organização do Fórum Potiguar de Cultura, realizado em fevereiro de 2011. Seu esforço para unir a classe artística em prol de debates por políticas públicas para a cultura do Rio Grande do Norte é notório. Mas Esso, que integrou de 1991 até 2001 a banda natalense “Os Quatro” e que depois seguiu carreira individual, também desenvolve um trabalho musical de respeito, como pode ser visto no seu segundo álbum solo “Alma de Poeta”, lançado em 2009.
O disco é o resultado de um projeto ambicioso do artista em juntar sua música com textos de dez poetas potiguares. Estão presentes poemas de Civone Medeiros, Alex Nascimento, Iracema Macedo, dentre outros. A canção bônus “Nenhuma Exata Resposta”, parceria com o paraibano Chico César, completa as 11 faixas. A obra só foi possível de ser realizada por meio do Projeto Pixinguinha, via Funarte. Alguns podem torcer a cara com essa história da mesclar temas regionais com elementos modernos, mas Esso consegue aproximar acordeão e zabumba com solos de guitarra e efeitos eletrônicos sem deixar chato. É nessa pegada que o álbum começa com as duas primeiras faixas, “Caravana em Travessia” e “Farra Sertaneja”, onde se percebe um pouco dessa mistura, que é bom frisar, nem chega a ser a tônica do disco. Se é pra identificar um aspecto que permeie grande parte da obra, esse aspecto é a construção poética das composições, até porque se tratam originariamente de poemas. Os assuntos tratados nas letras extrapolam as questões sertanejas e passeiam também por questões cotidianas. Esso não cai na simples declamação dos textos, ele encontra o ponto certo de cantar, e sua voz peculiar acaba por se relacionar bem com as composições e arranjos na maioria das músicas. O álbum é quase todo de músicas calmas e segue um ritmo suave. Bacana pra ouvir sentado. Não que isso seja algo negativo. As faixas “Arremedo” (Iracema Macedo), “As Mulheres” (Franklin Mário) e “Nenhuma Exata Resposta” (Chico César) expressam o ponto alto do disco, mas não cativam logo na primeira audição. No disco “Alma de Poeta” Esso fez um importante trabalho de registro. Soube transformar literatura potiguar em música. Não deu pra acertar em todas as canções, mas no geral conseguiu não soar repetitivo ou forçado. O disco não é hermético, nem de cunho regionalista. É diversificado em temas permeados de poética e conta com um instrumental moderno e de qualidade.
RAMON RIBEIRO, jornalista Revista Catorze
A essência é o rock, mas a música do potiguar Esso transcende em “Alma de Poeta” – uma obra sutil e contemplativa produzida com apoio do Projeto Pixinguinha. A partir de uma abordagem romântica e nada ingênua (como muitos poderiam imaginar), o cantor e compositor fecha o ciclo iniciado em 2003, quando o álbum foi idealizado durante encontros com diferentes músicos e poetas - como Pedro Osmar e Celso de Alencar – em um centro cultural paulistano, durante temporada do potiguar na terra da garoa. “Nos encontrávamos num único desejo de dizer poesias envolvidas com música”.
Esse desejo, continua Esso, é “poetizar o cotidiano das pessoas, tornar a poesia além da escuta.” Melodias existencialistas e o tom reflexivo das letras, características já vistas em trabalhos anteriores, seguem norteando o artista, que faz questão de espetar o imobilismo social e a falta de interesse pelo coletivo, vide a ácida “Sonata de um Soneto” (texto de Alex Nascimento), onde interpreta no tête-à-tête com o piano do músico Lula Alencar. O disco é carinhosamente dedicado a “você” (nós).
YUNO SILVA, jornalista www.ondascurtas.blogspot.com
esso alencar participou, junto comigo (e outros artistas e produtores), de um grupo que formulou uma das diretrizes da música (a de circulação) para o minc (durante as setoriais de cultura), há um mês em brasília. na manhã seguinte, após uma conversa breve, ele me presentearia com seu segundo disco (viabilizado através do projeto pixinguinha, premiado por seu estado, rio grande do norte, em 2009) e com um pequeno e simpático livreto de poemas. apenas essa semana fui ouvir o trabalho e me surpreendi com sua linguagem intimista, melancólica e interiorana. a idéia que norteia alma (de) poeta parte da musicalização de poesia (coisa que poucas vezes funciona - este não é o caso), são 11 poetas (incluido o compositor) em 11 canções. embora seja longo demais para os padrões com os quais nos acostumamos em tempos de internet, downloads, etc (suas faixas tem em média 5 minutos), uma das maiores virtudes do disco é se deixar escorrer pelo e envolver seu ouvinte (como se uma chuva fina e triste inundasse meu escritório enquanto o ouço), fazendo com que o tempo dedicado a sua audição pareça menor do que é. neste sentido, cantilena ao sereno pode ser o ponto nevrálgico do álbum: com seus mais 7 minutos, clima tenso e belíssimo arranjo para o poema de civone medeiros, a canção cresce lenta e lindamente. outros momentos que podem ser destacados são a longa e estranha introdução do disco, o piano radioheadiano e o ótimo texto de sonata de um soneto (alex nascimento), o clima mezzo trip-hop mezzo clube da esquina de sacramento (ou que outro nome o tenha), a melodia e o tom fernando mendes/marcio greyck (sim e porque não?!?) de nenhuma exata resposta (com letra de chico césar e participação de um certo leno - seria aquele da lilian?!?). o único tropeço que apontaria em alma (de) poeta é o da inclusão da fraca senhor dos olhos, um rockinho sem sal (cujo poema aparentemente expressionista (ou um clichê de), poderia muito bem ser classificado como um apanhado frases soltas...). a despeito disso, esso é, dos artistas citados aqui, o que mais demonstra fôlego criativo e desapego a um possível padrão de bom gostismo ditado pelo mainstream musical brasileiro, quem ganha com isso é seu ouvinte...
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LETRAS
Ainda há lugar para a poesia em um mundo como o nosso?
Um mundo imenso. Maior que seus próprios limites, mais amplos que suas próprias fronteiras. Um mundo rápido, fugaz, cercado de signos barulhentos e brilhantes. Talvez, a única resposta possível para questões desse tipo, esteja na própria poesia e no seu poder transportador. Na sua capacidade de fazer com que a mente humana ultrapasse os limites secos dessa esfera de linguagem banal que prende cada um de nós. Sim. Estamos boiando dentro de uma imensa esfera de linguagem banal. Como se fios invisíveis de trivialidades nos conectassem em frases simples, com menos de sete palavras. Frases soltas, vazias, perdidas de beleza e de força. Exauridas do poder de construir qualquer tipo de maravilhamento que justifique a experiência humana nesse mundo. Então, a poesia, mais do que qualquer outra força, abre as fissuras nesse tecido de linguagem cotidiana que nos liga aos programas de fofocas na TV, ao incessante trovejar de anúncios publicitários, ao ritmado "ratatá" dos noticiários televisivos. A poesia nos salva de uma linguagem pobre, de um cotidiano opressor. Ela abre nossas possibilidades e areja nosso ar, fazendo com que o mundo se torne menos insuportável e com que nossa alma esmagada pelo peso de um entorno desprovido de qualquer significado, possa suportar a andada dos dias. Mas bom mesmo é quando a poesia se casa com a música e se torna canção. Demorou para o Esso Alencar, compositor potiguar radicado em São Paulo, trazer ao público seu CD. Desde os anos noventa, quando fazia os vocais da banda Os4, no cenário underground de Natal, Esso vem colecionando um pequeno conjunto de pérolas poéticas transformadas em canções tristes e preenchidas de uma leveza que nos transporta. Firmando parcerias com Waldenor (que tocava bateria na época de Os4) e Franklin Mário, Esso conseguiu dar uma forma sonora ideal a suas poesias. Apesar do nome provocativo (Bossta Nova) o CD do Esso Alencar traz poucos rastros da época punk de Os4. Mas as influências dos anos oitenta e noventa estão lá, transmutadas em sonoridades mais clássicas. Parece que São Paulo conseguiu dar a forma certa ao lirismo azulado desse sertanejo, nascido à sombra da Serra do Lima, no alto oeste potiguar. O barulho da metrpole aparece em Bossta Nova. Surge nas interferências e nas experimentações dos inúmeros "barulhinhos" que dão forma ao entorno das canções. Mas a sonoridade da metrópole não arranhou o tecido musical do disco. Ele foi apaziguado e foi sutilmente transformado em detalhe. Nesse CD, São Paulo não assusta, não esmaga, não esquizofreniza, nem polui o ouvido com os resíduos de uma sociedade que se esgota dia a dia. O mundo liquefeito de banalidades auditivas e linguísticas que nos rodeia não fere as canções de Esso Alencar. Elas são janelas. Aberturas. Fendas. Fissuras de poesia numa imensa parede de uma metrópole que costuma moer a alma de quem chega detraído e desatento. O Sertão, o Litoral e o Asfalto. Três ambientes. Três experiências. Três entornos para emoldurar belas canções. Esso Alencar costuma nos levar a cada um desses lugares e preencher com sua suavidade lírica alguma das nossas mais inquietantes ansiedades. Sinta cada canção sua como uma janela, onde um mundo de sempre sol, mesmo com chuva, costuma traçaar uma nova língua. Como na canção Dialética: "Se você fala a mesma língua minha - amor, amor, amor e amor - aproxime-se! Diga repetidas vezes comigo - amor, amor, amor e amor - incansavelmente/ Deixa que eles passem distraídos/ Absortos em seus problemas/ Sem entenderem o dialeto do amor/ Enquanto nós dançamos aqui reunidos em volta do vinho/ a cantar o dialeto do amor".
PABLO CAPISTRANO, escritor www.pablocapistrano.com.br |