Domingal

a av paulista se transforma aos domingos numa tira multicolorida. bem na sua metade, à altura do museu de arte, espalha-se uma feirinha que redesenha a geografia áspera dos dias comuns, dando ao lugar uma atmosfera mais serena e até quase tranquila.
com um pouco de sorte, se temos sol e diminuição da poluição (caso haja chovido na noite passada), os ares realmente se tornam mais sadios, contribuindo para dar ao local uma tonalidade maissensível-menosaustera. os carros diminuem a cantiga dos pneus, e até se ouve do masp uma musiquinha zen embalando os transeuntes e curiosos a bisbilhotar os trequinhos à venda nas barracas. são muitas bugigangas e apetrechos diversos, vários artigos, dos bagulhos do modismo esotérico disfarçados em negócios 'novaera' até o exotismo do papagaio falante, retirando com o bico um bilhete amarrotado onde lê a sorte dos passantes na calçada do parque trianon.
um turista, ou mesmo o simples visitante paulistano, se mais atento poderá se surpreender com o clima de amistosidade que impera entre os frequentadores, algo que diferencia (minimamente, ao menos - bem redundantemente) o perfil dessa de uma outra feira muito badalada em sampa, na praça benedito calixto, essa mais clichê e balada, apesar de sua referência.
aqui, os espaços são mais nítidos e amplos. não há o empurra-empurra do tumulto de pinheiros, com gente desfilando em caras e bocas, ávidos por uma trombadinha inesperada com figuras notáveis do circuito dos famosos. aqui tudo parece mais in-parcial, sem falso glamur ou máscara de etiquetas. é menos formal e mais real. tem mais cor e alegria, e uma vivacidade mais sincera no semblante alentado dos que circulam, que a caminhar mais devagar e despojados pelas calçadas em muito se diferenciam dos pedestres apressados e tensos da rotina normal, ou dos tipos do sábado com suas posturas de vaidades estudadas.
os guarda-sóis embelezam o passeio com sua geometria colorante, de cem em cem metros uma exposição de telas em gênero e estilo distintos vai fazendo da avenida uma grande galeria a céu aberto; trabalhos em artesanato, bijuteria refinada e bancas-sebos se misturam aos carrinhos que vendem lanches populares e aos ambulantes negociando miniaturas e banalidades.
até que as nuvens prenunciam um fecho à claridade, encardindo a paisagem, ameaçando tapar toda a brancura do horizonte aberto ao alcance do nosso olhar, enquanto com o passar das horas as sirenes policiais começam a zoar seus sinais, e logo mais os motoristas alcoolizados vão trombando seus carros em choques barulhentos, e a violência sangrenta e gratuita vai dando passagem ao que antes era apenas essa bucólica cena da janela do 15º andar.
é também tempo das tendas serem desarmadas, os objetos serem encaixotados pelos vendedores, os quadros recolhidos pelos pintores, suspendendo essa mansidão domingueira da vida para irromper abrupta e veloz na segunda-feira da semana, já acabada essa primeira.


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