O Gosto de Agosto

É noite em São Paulo. Finda mais um dia, e as filas costumeiras para os espetáculos e diversões começam a se formar ainda cedo, puxando pessoas e mais pessoas para um encontro na escuridão: dos teatros, dos cinemas, auditórios, palcos e pistas. A tarde saiu de fininho e despejou sobre a cidade uma sombra densa que vai aos poucos engolindo a planície urbana, agora já envolta no negrume noturno de uma sexta invernosa em agosto.

Nas bibliotecas públicas os estudantes e desempregados reviraram até àquela hora os cadernos classificados em busca de vagas para trabalho, mas definitivamente se desiludem por mais uma semana, e vão procurar agora apenas espairecer, empurrando num suspiro lento e meio aflitivo todas as preocupações rotineiras para a outra segunda-feira.

Nas ruas, premida pelo frio segue a multidão, num roteiro linear, pressa no passo e pouco tempo que não seja para parar onde possa esquentar o sangue, num ponto perto ou no longe longo, mais importando é que em breve consigam aquecer suas costelas, embaixo do cobertor, no grau alto de uma dose dupla ou num abraço macio e caloroso.

Nos cafés se encontram os casais e os amigos para em seguida entrar em combinado para um programa onde a dança faça parte da festa, e que ainda após o ritmo chapante abram-se novos rituais, sempre embalados pela abundância estimulante de uma madrugada frenética e cheia de climas repletos de sedutoras tentações.

Nos apês da cobertura a luminosidade dos bairros longínquos parece fazer flutuar uma chama etérea, traçando uma esteira radial que leva junto a imaginação pelas estradas fluorescentes da supercidade, e busca[m] no desconhecido possiblidades para mais tarde, à hora das saídas.

No trânsito aéreo os jatos comerciais sobrevoam o campo de aterrissagem, já prontos para despejar nos saguões aeroportuários centenas e mais centenas de passageiros ansiosos para despachar suas cargas para os endereços certos, para que os tais lugares sejam abastecidos devidamente com as substâncias apropriadas para uma balada boa.

Nos estádios e nas suas proximidades os engarrafamentos quilométricos se estiram pela vizinhança, que recebe a contragosto – todos os cães soltos e um reforço na segurança contratada – aquela multidão disposta e mais que isso a uma confusão e de quebra uma baderna, durante o jogo ou após o show. Vai ter.

Dentro de suas cabines os discotecários mandam na batida, estouram nos falantes as trilhas eletrônicas programadas, e o som faz vibrar os pilares das estruturas, faz vibrar nos corpos suados os órgãos já cansados, quase extenuados, dormentes, amortecidos pela noite vazia de emoções, vaga em palavras apesar de não muito distante no toque íntimo, e que continua sob o refrão dos rites e sob a fumaça dos cigarros.

Mais um pouco mais, e o berço da manhã nascente emite seus primeiros sinais, violando o céu breu com as cores radiantes e aurorais, a ofuscar os grupos que vão seguidamente deixando os clubes e penetrando os estacionamentos abertos ou em busca das estações mais próximas, para retomarem seus destinos.

E nas bancas os jornaleiros dependuram as manchetes enquanto os primeiros transeuntes de frio tiritando se achegam aos balcões da lanchonete para entornar um pingado fumegante e que os faça mais candentes no meio de suas roupas.


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