Nós, Compositores

para que servem canções?
ampliando o eco de Adriana Calcanhoto em Esquadros, cantamos para quê?
ou para quem?
nós, compositores, os que idilicamente debruçaram suas vidas a tecer entre versos e notas os tons da próxima canção do rádio, envolvidos na teia dessa trama às vezes tão ingrata e noutras tão amarga, que volta e meia nos põe outra vez à prova, ameaçando-nos na hostilidade sistemática dos boletos do aluguel, no desconforto de nossas casas montadas à meia-boca, no convite indecente da porta que se abre para o sucesso, a transformar tudo o que julgamos tão sagrado, triturando-nos o sangue e o suor para no fim nos descartar espremidos como bagaço na fogueira das ilusões;
nós, que a passar os dias, no predomínio de nossa característica sensibilidade, captadores das infinitas problemáticas, alegrias e tristezas do universo, somos levados a debatermos em nosso próprio íntimo todos estes conflitos, na utópica e esperançosa possibilidade de vermos solucionados pelo menos alguns desses itens, confusos e pendentes na orquestração sempre tão sonhada de uma estrada que conduza para a harmonia e o bem;
nós, vacilantes como as estrelas escorregadias do espaço, afoitos em nossas apostas, contidos na modéstia, espalhafatosos, coloridos, tristes também, efusivos ou cabisbaixos, loucos ou quase, sadios ou doentios, feios e belos, distintos no jeito de ser, de falar e de viver, no cantar, no jantar, no deitar, no amar e no amor, na dor;
nós, sem falsos pudores, das línguas afiadas, das grandes noitadas bêbadas, do pouco troco, das brigas serenas, das palavras monumentais, das visões plenas, das buscas infindas, das quedas, dos gritos, viagens, confusões, gordos demais ou magros demais, com as calças sujas mas o coração limpo, com a fé por onde andar;
nós, a chorar no fim da noite, voltando a sorrir já quando amanhece o dia, a espalhar afeto em toda festa, a por um tanto de emoção em cada ação, a decorar os cantos da casa, mesmo que com os jarros de um e noventa e nove, a desfazer-se sem apego do que a gente sabe ser passageiro, a cuidar com carinho da terra nossa mãe;
nós, solidários na dificuldade, amigos na vida e parceiros na canção, oferecendo do pouco um pouco, crédulos no futuro e firmes no presente, dedicados, decididos na nossa missão, nós, do nosso jeito, vamos tentando compreender porque procuramos a tudo entender. e de cada dia não deixamos de extrair a força suprema, invisível e necessária para superar os desafios constantes da nossa escolha e nos nutrir com a essência da beleza, na clareza do que você escuta no refrão.

para isso.