Os Reis Apagados
Como sou mais pela Arte que pelo desastre, fiquei chocado ao descobrir – após uma breve ausência da cidade – os (des)caminhos tomados pela administração pública no que se refere à escolha dos gestores de uma política cultural para os padrões do nível de qualidade que as nossas artes vêm alcançando.
Durante anos trabalhando dentro da cena musical potiguar, senti o custo para fazê-la ganhar apreço em Natal dentro do círc(ul)o político que diz representar legítimos direitos. Quais? Ou para quem? O desfalque vergonhoso que falcatruou a principal instância cultural do estado é mais um fato a manchar de indecência o caráter do nosso país em tempos tão fixados pela dissimulação. De uma ponta a outra, revelados pela cada vez mais ágil fiscalização de quem tá ligado, atento ao ato imoral dos que se enquadrilham atrás de saias do poder, vimos desmascarando os ladrões, quase sempre atrelados a figurões dos vários escalões administrativos.
Chegou a nossa vez! Vítimas já éramos. Dessa vez nós somos mais que isso: somos também o Patrulha. Estamos vivos, apesar do frio a correr pela espinha e apesar da ação traíra. Desentocamos. Desabafamos a trôxa escondida e agora que todos viram o que tinha dentro, cobramos a qualidade e o preparo dos ocupantes das posições que forjaram um esquema corrupto para golpear e tapear a administração estadual, ainda por cima a nos ironizar com a ousadia gozada de que presumivelmente é mais fácil fazer alguma negociata entre compadrios do que aprovar um projeto de modo sério na FJA.
Agora, é hora para isso? Por que se vocês acham que que com o que aconteceu não chegou a ocasião para um protesto veemente de nossa parte, tudo bem, deixa que eu assino essa carta sozinho. Mas a meu ver deixar que o estouro de fertilidade que possuímos, nosso imenso patrimônio artístico - do atual ao ancestral, nossos bens sonoros, nossa riqueza plástica, nosso acervo popular, oral ou eletrificado, nossos bens (vejam bem: Nossos Bens), as coisas que representam a gente e nossa raiz histórica, isso tudo, seja usado pelos governos dessa forma, como um suporte para seu discurso escroto e sua pilhagem estatutária ... Isso não. Não tá no meu sangue, eu não deixo passar barato.
E aponto para a escaramuça, pois dessa vez nós tiramos as carapuças dos trapaças medíocres que foram escolhidos para gerir a cultura. Os gabinetes estão entupidos com mercenários ao invés de ter em seus postos sujeitos competentes e empenhados em preservar nossas heranças e promover a nossa época. Estão todos encalacrados na poça desse fel obsceno, onde se congratulam, e dividem em reuniões secretas o espólio de seus saques. Os nomes estamparam as manchetes com os abusos cometidos pelos surrupiadores. Os nomes estamparam as manchetes (por isso eu não vou precisar os repetir). Mas na verdade eles constrangem. Não a mim ou aos outros artistas. Na verdade, eles são parâmetros para qualificar o nível do critério utilizado para ratear cargos públicos, no caso aqui – parece – entre aqueles que se disponham a pechinchar ardilosas lealdades.
Sempre assim, temos ficado nas mãos sem compostura de dirigentes medíocres, enraizados em práticas quase sempre suspeitas, ataviados por clientes com presentinhos em sedosas almofadas escarlates. Sobra rutilância. As Casas de Cultura foram sendo ostentadas uma a uma para no fim se revelarem um embuste - como foi com a Ribeira, os contratos da fundação são fechados sem transparência, a direção do teatro foi parar no ninho das socialites ... minha nossa!
Que brincadeira é essa? Cultura é uma coisa cada vez mais séria, tontos. Precisamos de pessoas sérias também para cuidar dela. Que pelo menos publicam na sua página data, local e hora para prestação de contas aberta ao segmento interessado e ao público em geral (como fez a Funcart). Já a FJA, rodeada de ladinos, não tem criado condições para dar sustentação a obras como a de Chico Antônio, Ferreira Itajubá e Jorge Fernandes, Elino Julião, Cleudo Freire, Abraham Palatnik, Falves Silva, Câmara Cascudo, Roberto do Acordeon, Chico Daniel, Glorinha Oliveira, Nísia Floresta e muitos outros.
Esso Alencar, 02 de Julho de 6
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