O que é uma rica obra monumental diante das necessidades culturais, educativas e políticas de populações carentes que esperam dos governos mais que simples “obras magistrais”? Modernos centros de cultura e ciência são construídos com verbas monstruosas. E até mesmo a própria universidade, com sua tímida ação de extensão nas comunidades deve muito ao povo que diz atender. Aparentemente nada demais, simples atos executivos que pretendem dar visibilidade administrativa aos seus próprios pares políticos, numa redução de importância até dos complexos arquitetônicos mandados construir, seja com plantas de Sérgio Bernardes ou Oscar Niemeyer. Na verdade, há muitos equívocos a declarar. A técnica e a ciência dos poderosos tem muito que aprender com o povo enjaulado nas democracias burguesas.
Mas com certeza, as populações precisam de muito mais que isso: precisam mesmo que essas “atividades monumentais” cheguem aos bairros de forma mais real, politizada e culturalmente mais comprometidas, até mesmo com a utilização permanente das escolas públicas e espaços oficiais tão pouco utilizados, como base para essa “monumentalidade” cultural, artística e política, que poderia visar a educação e formação de cidadãos de bem, aberta aos seus anseios e necessidades. Porque não uma política de educação e cultura que procure estar mais próxima do que querem as populações carentes? Os governos poderiam dar bons exemplos. Ou seja, utilizar os próprios equipamentos públicos (escolas, centros de formação profissionais específicos, centros culturais públicos etc) como base para que possamos ter acesso às atividades que foram violentamente retiradas do convívio comunitário (os cinemas e bibliotecas comunitárias, por exemplo) no tempo de chumbo da ditadura militar. Porque o poder público, estadual ou municipal, não podem minimizar essa carência com atitudes democráticas, socializantes, populares e descentralizadoras? O povo quer respostas!
A inquietação das populações deveria levar a que os governos pensassem e repensassem sempre novas saídas culturais, saídas mais baratas, que contemplassem mais pessoas, crianças, jovens e adultos necessitados de equipamentos que funcionem dentro de suas próprias comunidades, mas não apenas aventuras esporádicas, caravanas que chegam de vez em quando... Em Brasília há uma referencia muito importante ligada, por exemplo, à leitura pública e popular de livros fundamentais expostos em bibliotecas públicas particulares, bibliotecas criadas e mantidas pelas próprias populações que doam livros, bibliotecas de paradas de ônibus, que hoje são o grande farol de uma política de cultura alternativa e independente na capital federal. Idéia do Luiz T.Bone, um açougueiro nordestino inquieto que tem pensado em como as populações possam ter acesso à “informação geral”, a uma cultura mais geral, contradizendo inclusive aqueles que dizem que o povo não gosta de ler.
A experiência de Brasília, independente dos governos, mostra que é possível ser monumental e politicamente correto, sem gastar quase nada, em cada bairro e toda a cidade. Bibliotecas em paradas de ônibus é a saída que as populações encontram, de forma particular, para atender ao projeto de cultura popular onde os governos não alcançam resultados com sua política monumental de construção de “grandes obras faraônicas”. Fica o exemplo.
E essas atitudes criativas das populações não ficam por aí: catadores de lixo que criam e mantém cinemas populares em suas próprias casas com o que encontram no lixo das ruas da cidade; “sem teto” criando novas bibliotecas comunitárias em suas ocupações (ocupar e resistir!) a partir de livros achados nas ruas, entre tantos exemplos de cidadãos comuns comprometidos com mudanças na área cultural, sem gastar nada. E nos perguntamos hoje: e se a quantidade de bares fosse a mesma de bibliotecas e cinemas nos bairros? E se em cada bar houvesse uma biblioteca que atendesse às necessidades de informação geral das populações? Será que o poder público seria capaz de estar junto dessas iniciativas culturais, dando força e reforço ao trabalho dessas ações de guerrilha cultural? O que impede que seus técnicos compreendam que pensar e agir cultura não custa quase nada se estiverem pensando junto e afinados com este esforço popular que compreendem que não dá para esperar pelos poderosos?
Tudo começa com o “ouvir” essas populações, o que elas querem, o que elas precisam, já que essas populações tem consciência de que a estrutura de equipamentos culturais em tempos passados e não tão distantes (anos 60/70, por exemplo) foi sendo retirada de forma criminosa da vida comunitária por empresários de capitalismo fascista, e bem diante das chamadas autoridades competentes que fizeram vista grossa diante da perda de nossos cinemas e bibliotecas de bairros, quando sabemos que foram tão essenciais essas ações comunitárias, servindo para formar cultural e politicamente tantas pessoas que são os profissionais que criam e mantém o projeto político das cidades e estados na atualidade. O que está em questão, e ninguém pode esquecer disso, é o ato de educar, é a atitude política de educar a partir de simples idéias levadas em prática por pessoas, particulares, que respondem de forma mais politizada e comprometida, ao conceito oficial de que é melhor construir “grandes obras”, “obras monumentais”, deixando de lado o que as populações realmente querem como base para suas formações.
Pedro Osmar
(artista multimídia paraibano)