O Poeta das Meias Vermelhas

Como à busca de um grande amor, também procurei sempre cruzar na estrada com um poeta de verdadeira grandeza. E hoje, vestindo a minha elegância, sapatos e calça preta, camisa de fino corte, branca assim como as meias, lupado com antigos óculos romanos, estou indo ao encontro dele.
Ele será aquele a que eu beijar.
Ele, este poeta, este é o Celso de Alencar.
E a ele quero apresentá-los aqui nesta prosa.

Quando me aproximei dele, ouvi a outra metade do seu coração. Sua fala rija de demônio poético, enlevada numa aura musical, dentro de córregos existenciais, corajosa e viral, urbana e medieval, louca transcendência cósmica, cheia de visões de novos paraísos, artifícios da mente de um poeta enfim burlante nas idéias dos temas que envolvem as teias de suas tramas, caminhando em círculos com suas mil línguas vibrantes, viris, prestes a romper os verbos furiosamente, ditos às claras em alto e bom som no seu disco*.

O tom seguro e enérgico do poeta acorda os deuses dentro de nós. Um impulso selvagem arremessa-nos a um regozijo luxuriante a que só as palavras podem conduzir, numa verdadeira odisséia mística que este Celso ousou visitar ao tocar com seus pés o chão fecundo da poesia. Suas expressões abismais abrem fendas estremecentes a nos puxar para as artimanhas que os sons reluzentes de cada fonema imprimem nas nossas consciências, construindo suas cenas na ampla sala da mente, com festividade extraordinária.

Um gosto de queimação atravessa suas orações blasfemas, entrecortadas pelas tranças da realidade, como às vezes as mais puras verdades são tão difíceis de suportar. Mas o seu texto veste sobre nós um manto de encanto com a magnitude de uma permissividade espasmódica, na corpulência da sacralidade subjetiva de cada pessoa, no delito íntimo guardado às avessas da regra, escondido em cada um de nós, recolhendo nossos desejos, retraidamente.

De suas estrofes vazam a acidez de uma melancolia saliente e o zelo de um cuidado fatídico num jorro cintilante que nos acorda para conhecer os mais infindáveis mistérios, seja na abertura de grandes portais ocultos ou na condensação da espessa fumaça da morte, prementes no sal de sua récita maravilhante.

Ouvi de sua voz nítida e clara e vi na sua expressão atenta e autêntica o cintilar esvoaçante do Amor. Marejou nos seus olhos.


* A OUTRA METADE DO CORAÇÃO é um disco gravado pelo próprio Celso, contendo versos dos Poemas Perversos e O Primeiro Inferno & Outros Poemas, entre outros de seus livros.



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