Sãpa

estamos em Sampaulo, a vedete econômica do Brasil.
aqui, megacidade onde transitam as multidões, por onde correm os milhões de cifrões, onde os egos e a cobiça se irmanam à procura de 'resultados eficientes', onde o ouro brilhante no ocaso se mistura à poeira negra do céu ressacado embotando o olhar das criaturas apressadas e temerosas do presságio, onde as agulhas finas picam a carne frienta e flácida no tédio dos escritórios, onde os mortos logo são esquecidos antes de serem recolhidos nas macas da emergência, onde a agonia acena com suas vagas cítricas, onde os cães cagam sobre o concreto porque há terra apenas no reduto dos parques, e os viciados como zumbis trêmulos se arriscam a uma prosa lépida no fundo da madrugada, onde as veraneios da polícia esbravejam com suas sirenas irritantes no trânsito emperrado das largas avenidas ao término dos expedientes, e junto com os motoristas de nervos já esfarrapados sob a opressão da rotina diária entoam com suas buzinas uma cantiga uníssona de trinados metálicos, saudando a boca da noite, que irrompe com suas fachadas luminosas anunciando quais são as novas da hora, os feitos do dia e os prêmios aos vencedores, temperando novos vícios atrás dos quais se assentam os marqueteiros de plantão, ávidos por colher na próxima ocorrência um tema para publicizar sua clientela, os astros cínicos encolhidos sob o vison na falsa atmosfera dos estúdios pedem doações para a campanha do agasalho, os colunáveis mandam distribuir os sopões, e vendem apelos através de suas mensagens eletrônicas que reluzem noturnas na fuligem aveludada, e sobrevoam a cidade nos helicópteros particulares para escapar à lentidão do tráfego viário e aos delinqüentes mirins que se aproximam nos cruzamentos semaforizados com espetos de aço, prontos para enterrá-los no pescoço de suas vítimas pelo vidro abaixado das janelas dos carros caso não saquem um dinheirinho para o pão, e espreitam à penumbra o estupro espiritual de uma nação inteira, violentada nos dossiês íntimos, nas estatísticas maquiadas, no risonho sonho que seiva a glória futura de um povo...
oohhh!!!, quão vã a angústia dos corações delicados! quanto vale na caixa registradora o tom da poesia de cada verso pessoal? (poemas não tilintam!!) quanto ainda da nossa valentia será gasta nessa decadência melancólica, nesse desmanche letárgico que pulveriza em nossas entranhas o bafo dos arrochos depressivos? por quanto mais se susterá a pose empinada da estátua do bandeirante e seu facão no solo falido? quais cheiros trazem os ventos? o da pólvora, dos gases ácidos, da ética torta e do furor vazio, expressos no excessivo índice dos assassinatos, na catinga dos rios apodrecidos, nas consciências corrompidas pela lama e nas canções mentirosas que servem de trilha sonora para o anúncio comercial, embalando o consumo de fartas doses para otários solitários lobotomizados e a ira incontida mantida em conserva ferruginosa dentro das cabeças velhas e azedas, enrustidas ao molho numa empáfia mofada que vulgariza esse ódio óxido, truculento e recíproco, cru, tosco, embrutecedor, capaz de abrir uma guerra só para desestressar, o que convenhamos em segredo seria de uma burrice cavalar, animalismo dobrado para cafuzos confusos que nem sequer sabem qual destino querem construir para uma pátria amada e idolatrada, salve, salve, mas apenas ruminam ignorâncias no fosso, velando no luto do seu passado uma realidade que não cabe mais existir.

eu não sou daqui.


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