Quando os Discos Ainda Eram Importantes ...


A capa é mesmo fundamental. Veste.
Aquela foto do jardim violeta, com algum totem de concreto ao meio era chamativa, sim. Parecia cheirar àqueles dias que vivíamos na última metade da década oitentista, quando então nossa juventude respirava os primeiros ares de liberdade de um regime político que se distendia vagarosamente na direção da conquista de tempos melhores, o que sempre demora para se cristalizar, bem vagarosamente.

Enfim ...
O disco da banda paulistana Violeta de Outono, que aliás leva o seu nome, publicado em 1987, foi reprisado agora em maio de 2009, portanto mais de 20 anos depois de lançado, por ocasião da Virada Paulista. E no palco pomposo do Teatro Municipal, no centro da metrópole. Durante 24 horas o programa ali era a reapresentação de alguns álbuns pelos seus próprios autores, entre estes o Arrigo Barnabé, o Chico César e o Beto Guedes, além do referido Violeta de Outono.

Embora não tenha conseguido o acesso para ver o show dentro do teatro, visto as filas intermináveis para agarrar a entrada, pude no entanto sentir toda a atmosfera permeante, o ambiente, a cena ... por assim dizer. Antes de tudo é preciso confessar que em outra ocasião já havia tido a oportunidade de ver o grupo num dos sescs da capital SP, e já havia então constatado a fidelidade do público ao trabalho poético e inspirador do trio liderado por Fábio Golfetti. Era fácil perceber entre as pessoas alguns casais, deles até com filhinhos sentados pelos corredores do teatro, pois os shows são raros e disputados. Se isso se deu ali por volta de 2003, provável que tenha visto um punhado de pessoas que se encontraram e se conheceram no meio dos shows que rolaram durante os anos 80, agora já compartilhando outros momentos de suas vidas casadas, puxadas prali por uma lista que a assessoria de comunicação da banda mantém para informá-los da agenda de apresentações, eventuais.

Rotulada pela chamada imprensa especializada, que a rigor nunca existiu de fato no país brasileiro, a Violeta de Outono foi sempre apontada como uma banda progressiva. Não creio ser suficiente, ou compatível com aquilo que o Violeta realmente me soa. Pop, ou quase isso. Suas harmonias melodiosas e as letras introspectivas principalmente, uma marca do trabalho que fazem, não condizem com a associação ao prog tal qual pelo simples fato das canções do grupo quase sempre esticarem sua duração em solos monótonos ou sons torrenciais extraídos de efeitos meio psicodélicos. É sim uma mistura de um tanto de elementos advindos desses diversos mares, que banharam a madrugada frienta de maio lá em Sampa enquanto o grupo executava seu ótimo disco, simples e belo. Tão bonito quanto às vezes o instante e sua fugacidade nem são capazes de revelar, circunstancialmente.

Mas eu estava lá, acordado, esperando a manhã se encher daquela luz que vai aos poucos trazendo o dia, embalado pelos falantes externos e as imagens vetorizadas nos telões distribuídos pela rua. Muitos já haviam despencado de cansaço e se amontoavam pelas calçadas, embrulhados em seus agasalhos pesados. Outros ainda se mantinham de pé, sem se render, fumando algum cigarro ou entornando alguma dose, naquelas expressões contemplativas que figuravam perfeitas dentro de músicas como Noturno Deserto ou Sombras Flutuantes.

E foi assim que, de certa maneira, pude sentir cada vez mais de perto, uma das principais influências do trabalho que realizei com Os Quatro aqui em Natal (RN) durante a década de 90: a sonoridade, os caminhos harmônicos, a delicada agressividade, ... tudo isso se somando, juntando-se aos fragmentos poéticos vertidos em densidade e melancolia, tornando nossa obra ainda mais rica e sentida.


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